Brasil bate o recorde de maior apreensão de barbatanas do mundo

“Precisamos pressionar autoridades para mudar esse cenário e ter leis mais severas” – afirmam especialistas

A notícia se espalhou pelo Brasil inteiro: mais de 28 toneladas de nadadeiras de tubarões foram apreendidas pelo Ibama. O resultado da mega operação foi divulgado pelo órgão nesta segunda-feira (19 de junho), que circulou em milhares veículos de comunicação por toda internet.

A empresa encarregada por esse montante de animais mortos e acúmulo de nadadeiras foi a Kowalsky Pescados, que estavam sendo exportados para fora do país pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo quando houve a apreensão. A indústria de pescados de Itajaí, Santa Catarina, afirmou através de uma nota de esclarecimento em suas redes sociais, a inautenticidade das notícias veiculadas, alegando não se tratar de um crime ambiental devido a Companhia ser constantemente fiscalizada e ainda, garantiu que as espécies capturadas não se encontravam em ameaça de extinção ou qualquer outra restrição.

Estima-se que 10 mil tubarões foram mortos para a extração das nadadeiras, das espécies tubarão azul (4.400) e anequim, conhecido como Mako (5.600), e, ao contrário do que foi declarado, ambas as espécies estão em ameaça e a segunda, entrou recentemente para a dos animais ameaçados de extinção, na chamada lista vermelha da IUCN (International Union for Conservation of Nature).

Um grupo internacional de pesquisadores europeus divulgou um alerta em janeiro de 2021 na revista Nature através de um estudo que concluiu que, dos anos 1970 até hoje, a abundância desse grupo de peixes caiu em 71%, resultado de um aumento de 18 vezes da atividade pesqueira.

O Brasil coopera com esses fatos, se destacando como o maior importador e consumidor de carne de tubarão do mundo. O Cação, vendido como peixe, na verdade é carne de turbarão, de diferentes tipos de espécies, e é extremamente comercializada no país, mas a grande maioria dos brasileiros não têm ciência disso. “Segundo dados preliminares de uma sondagem encomendada por pesquisadores brasileiros aos quais a BBC News Brasil teve acesso, praticamente sete em cada 10 brasileiros (69%) “não sabem que carne de cação é de tubarão”.

Mas por quê extrair as barbatanas? – “finning”.

O que explica esse fato, é a demanda elevada desse órgão do peixe em relação à sua carne. As barbatanas são uma iguaria de alto valor agregado, principalmente no mercado asiático— seu quilo pode ultrapassar US$ 1,5 mil (cerca de R$ 8 mil).

Pesquisadores também publicaram na revista Science em agosto de 2021 um artigo alertando a situação e sugerindo como o Brasil pode ajudar a proteger a população dos tubarões.

O ato de retirar as nadadeiras e descartar a carcaça do tubarão no mar é chamado de “finning” e a pesca com essa finalidade exclusiva para o comércio do item é proibida na imensa maioria dos países. O artigo diz que o que sobra do animal acaba sendo exportado para outro país e, não por acaso “o Brasil, o maior importador mundial de carne de tubarão, compra carcaças e bifes de tubarão sem barbatanas de países que atuam nesse comércio, como China e Espanha, e do Uruguai, que exporta carne processada de tubarão”.

É proibido ou não é proibido?

Apesar da pesca destinada aos tubarões ser proibida no Brasil, ainda existe a chama pesca acidental ou “captura fantasma”, onde a intenção é pescar peixes e animais permitidos pela lei e “acidentalmente”, apanha-se outro animal como golfinhos, tartarugas e tubarões. Os mamíferos fisgados acidentalmente podem ser aproveitados apenas se não forem o alvo da pesca, muito menos ameaçados de extinção.

Lawrence Wahba, documentarista de Natureza e palestrante, explica a situação em suas redes sociais através de um vídeo divulgado essa semana após o ocorrido em Itajaí, respondendo perguntas dos seus seguidores.

“Matar 10.000 tubarões no Brasil não é crime. É uma pesca que não é regulamentada, portanto, não é permitida. Porém, é permitida a captura acidental de tubarões. Então as empresas ficam nesse limbo jurídico.” – Ele ainda faz uma analogia diádica dizendo “Não é que elas estão querendo roubar. É que não tinha ninguém olhando na loja então eles foram lá e pegaram uma coisinha, e se defendem a partir daí.”

O mergulhador acrescenta “O que está sendo considerado provavelmente crime e vamos ter que aguardar das autoridades o indiciamento para o processo legal. Parece que esse barco foi deliberadamente capturar tubarões, aí sim seria crime, temos que fazer pressão para mudar a lei porque a morte acidental de tubarões não é considerada crime.”

O Ibama afirma que entre as infrações, haviam embarcações autorizadas a pescar com linha e vara, mas que usaram espinhel, um petrecho com linhas longas flutuantes e centenas de anzóis, utilizados para capturar animais de grande porte como tubarões.

Lawrence explicou que o responsável legal pela empresa justificou que ele não pode evitar os tubarões de morder a isca. O documentarista demonstra indignação com essa declaração e comenta que já existem uma variedade de soluções para essas questões.

“Existem tecnologias como o que é chamado anzol circular, que diminui a morte dos tubarões e protege também albatrozes e tartarugas. Eu também fiz matéria em alto mar sobre esse tipo de anzol junto com o pessoal do projeto TAMAR, e esses barcos matam milhares de tubarões, albatrozes e de tartarugas durante a pesca, mas existem várias práticas para minimizar essa captura acidental”.

Foto: Banco de imagens TAMAR

Hudson Tercio Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP, biólogo e mestre em Oceanografia Ambiental ressaltou que apesar de existirem outros motivos, o principal fator da diminuição desses animais nos oceanos é a pesca.

“A Costa do Brasil está sob essa exploração. O que é muito ruim para os animais pois eles demoram muito para se reproduzir, têm em média um filhote a cada dois anos, a maturidade sexual é relativamente tardia, além de crescimento lento e tempo de vida longo”.

Ele chegou a presenciar o “finning” ao encontrar um Carcharhinus perezi morto na Ilha de Trindade.

Fotos: Hudson T. Pinheiro

Hudson explica que na falta de tubarões, a população dos predadores intermediários aumenta descontroladamente e consome todos os recursos primários, e com quebra desse balanço ecológico, outras espécies começam a desaparecer. Além disso, os tubarões controlam a proliferação de doenças, porque indivíduos mais velhos e mais doentes acabam sendo consumidos.

O biólogo explica a importância da preservação desses animais para a sociedade.

“Existem lugares que tem tentado proteger, como em Fernando de Noronha, no Arquipélago de São Pedro e São Paulo e Ilha da Trindade. Então há uma tentativa de recuperação desses animais e de toda a cadeia que eles fazem parte. Em muitos lugares do mundo onde eles já se recuperaram, a sociedade tem sido beneficiada em turismo, na pesca, pois eles regulam a quantidade de peixes menores e por aí vai”.

Na visão do pesquisador, é preciso estudar mais, entender o declínio dessas espécies e as oscilações das populações. Comenta a dificuldade para pesquisadores da área, pois existem muitas espécies que ainda são comercializadas industrialmente e assim, não existe um monitoramento ideal do barco pesqueiro. “Não temos uma noção clara de quantas espécies estão ameaçadas, e esse incentivo é escasso, o que dificulta o resultado das pesquisas se tornarem políticas públicas.

Lawrence Wahba conclui seu vídeo dizendo que a empresa tem o direito de se defender na justiça como qualquer um, e nós enquanto preocupados com saúde dos oceanos e com o legado que a gente deixa pra próxima geração, precisamos pressionar as autoridades para mudar esse cenário e ter leis mais severas. “Cultura se muda” – enfatiza. 

Fontes:

Projeto TAMAR

Revista Science

Folha de São Paulo

Folha de São Paulo

BBC Brasil

Diário de notícias

Jornal da USP

Jornal UNESP

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima

 

Texto escrito por Bianca Paoleschi