Pororoca: quando o rio parece mar
Quem já ouviu falar da pororoca sabe que se trata de um dos fenômenos mais impressionantes do planeta, no qual uma onda de maré nasce do encontro do oceano com os rios. Para muitos, ela é sinônimo de medo e respeito. Para outros, é fonte de histórias, lendas e até mesmo esporte.
Na Voz dos Oceanos, acreditamos que compreender fenômenos como esse é também uma forma de entender a interdependência entre oceano, rios, comunidades e culturas. E ninguém melhor do que Serginho Laus, referência mundial no surf de pororoca, para traduzir essa experiência que vai muito além da aventura.
A onda que destrói e conecta
O nome “pororoca” vem dos povos indígenas do baixo rio Amazonas e significa “grande estrondo” ou “destruidor”. Não é difícil entender o motivo: quando a maré avança, ela pode arrastar tudo pela frente, das margens de rios inteiros a embarcações. O fenômeno ocorre nas luas cheia e nova, durante as chamadas marés vivas, em períodos bem definidos do ano.
Mas, para Serginho, a pororoca não é apenas força bruta. É também uma das ondas mais longas do mundo, capaz de ser surfada por mais de uma hora. Foi nesse cenário que ele conquistou dois recordes mundiais no Guinness Book e, mais do que isso, encontrou uma conexão profunda com a floresta e o oceano.
Segundo ele, “É como se fosse realmente um tsunami amazônico”.
Comunidades, cultura e respeito
Para os ribeirinhos, a pororoca é vista com respeito e temor. Há histórias de perdas humanas e destruições provocadas pela onda. “É como se fosse o bicho-papão da floresta. A força da água é muito grande e muitos já perderam parentes”, conta Serginho. Mas essa relação também tem se transformado: “Hoje em dia, com a chegada do surf na pororoca, alguns ribeirinhos mudaram essa visão do monstro e começaram a se aproximar mais. Eles compartilham conhecimento local, ajudam nas expedições e, em troca, movimentam a economia da região”.
A cultura em torno da pororoca também é rica. Serginho recorda lendas, como a dos Três Pretinhos, que teriam se transformado no estrondo que hoje conhecemos como onda amazônica. Para entrar nos rios, diz-se que é preciso pedir permissão a eles, uma crença regional que traduz bem a necessidade de respeito pela floresta e suas forças invisíveis.
Mudanças e ameaças
Como todo fenômeno natural, a pororoca também vem sofrendo transformações. Serginho lembra com tristeza a perda da onda no rio Araguari, no Amapá, após a construção de hidrelétricas e a pecuária desordenada na região. A água foi desviada, e onde antes havia ondas de quatro metros, hoje existe apenas sedimento e vegetação.
“Foi uma perda lastimável. O rio simplesmente desapareceu na sua foz. É um lembrete do impacto das nossas escolhas sobre a natureza.”
Além da ação humana, mudanças climáticas globais, como o degelo e a elevação do nível do mar, também influenciam o comportamento da pororoca. Para Serginho, isso é a prova de que o oceano ecoa dentro da Amazônia, e que tudo está interligado.
Movimento Pororoca: consciência e transformação
Serginho também é uma força ativa no Movimento Pororoca, que busca dar visibilidade a comunidades isoladas da Amazônia e promover consciência ambiental.
“O Movimento Pororoca através do Instituto Pororoca e de outras entidades sérias relacionadas ao meio ambiente, tem o objetivo justamente de gerar consciência. Nós somos representantes desses pontos mais remotos da floresta onde poucas pessoas conseguem chegar, poucas pessoas têm equipamentos adequados, conhecimento e coragem também.”
Essa atuação envolve desde levar assistência médica até compartilhar aprendizados de convivência em harmonia com a natureza. A mensagem é clara: não existe futuro sem cuidado coletivo com os rios, a floresta e o oceano.
“Estar conectado com a natureza, fazendo uma leitura dela e proporcionando momentos para que outras pessoas também realizem seus sonhos… isso mudou a minha vida. Preservar a Amazônia e a pororoca é o que procuro fazer para as próximas gerações.”
A natureza é antes de tudo viva, ela transforma e também inspira. Ao ser perguntado o que sente ao surfar na pororoca, Serginho resume de forma poética:
“Eu me desconecto do mundo real e me torno parte do rio. Vejo pássaros, os botos, o sol e a lua. É como ser uma gota d’água fluindo na floresta. A pororoca é alegria, é paixão, é energia. É a onda mais longa do mundo e enquanto eu viver, estarei em alguma pororoca.”
Assim como o oceano sustenta a vida na Terra, a pororoca nos lembra que tudo está conectado. O mar invade a floresta e mostra que as fronteiras entre os ecossistemas são ilusórias. Preservar rios e mares é preservar a vida.
Na COP30, quando o mundo olhar para a Amazônia e para o oceano, histórias como a de Serginho Laus e da pororoca serão fundamentais para nos lembrar que somos parte de um mesmo movimento: o da natureza em busca de equilíbrio.