Currículo Azul: Como a Educação Oceânica Está Transformando o Brasil, Mesmo Longe do Mar

Por que ensinar sobre o oceano vai além de falar do mar — e o que isso tem a ver com todos nós, brasileiros?

A resposta pode começar com a trajetória de Ronaldo Christofoletti, um dos principais nomes por trás do desenvolvimento da Educação Oceânica no Brasil.

Nascido no interior, longe do mar, Ronaldo lembra de visitar o oceano apenas uma vez por ano, quando tinha sorte. Ainda assim, foi ali que surgiu uma inquietação que o acompanharia por toda a vida: entender o mundo em que vivemos. Biólogo de formação, ele começou sua carreira na biodiversidade marinha e nas mudanças climáticas, mas logo ampliou o olhar para além da ciência pura. Como ele mesmo diz, “sou alguém preocupado em entender o mundo em que vivemos” e “entusiasta de uma ciência que não é para a sociedade, ela é uma sociedade”.

Essa visão colaborativa da ciência e do conhecimento o levou à ideia de levar o oceano para dentro das escolas. Não apenas o oceano físico, mas o que ele representa em termos de cultura, clima, economia, saúde e vida. Afinal, como Ronaldo lembra, “nosso planeta Terra, 71% dele é água, e desses 71%, 97% dessa água é de oceano. Então, temos uma responsabilidade muito grande em entender o planeta Oceano em que vivemos”.

O Currículo Azul: o oceano na educação como direito

É dessa consciência coletiva que nasce o Currículo Azul, uma proposta ambiciosa e profundamente transformadora. O objetivo? Inserir a educação oceânica nos currículos escolares brasileiros, desde a educação básica até os anos finais. Isso não se trata de uma disciplina nova, mas de uma diretriz transversal que se conecta com diversas áreas do conhecimento.

“O Currículo Azul é trabalhar na política pública; é garantir o direito de que todas as pessoas tenham de entender um mínimo da cultura oceânica”, explica Ronaldo. Isso significa promover o entendimento de como o oceano influencia o clima, a segurança alimentar, os direitos humanos e até as questões territoriais e culturais dos povos originários.

A proposta é que essa diretriz não seja algo imposto de cima para baixo, mas construída coletivamente: “a educação é um processo, cultivo transformador, e ela não ocorre da noite para o dia”, diz o pesquisador. Por isso, o Brasil tem se destacado mundialmente nesse processo. Foi o primeiro país a responder à meta da UNESCO para que os países iniciem a implementação do Currículo Azul até 2025.

De onde surgiu essa ideia?

Embora a proposta tenha ganhado força com a UNESCO e a Década do Oceano (2021–2030), a iniciativa brasileira tem raízes profundas no envolvimento da sociedade. Em 2020, foram realizadas oficinas regionais em todas as cinco regiões do país — mesmo em meio à pandemia — reunindo mais de duas mil vozes que ajudaram a definir as prioridades nacionais para a década. Em todos os relatórios, a inclusão do tema oceânico no currículo escolar apareceu como um ponto essencial.

“Então, o Currículo Azul vem alinhar uma perspectiva da base com uma meta global da universidade”, resume Ronaldo, destacando a força de um movimento que emerge tanto da comunidade escolar, sociedade civil e científica, quanto de orgãos internacionais.

O impacto da Educação Oceânica na vida das pessoas

Mais do que formar especialistas, o Currículo Azul pretende formar cidadãos e cidadãs conscientes, que levem esse conhecimento para sua vida profissional e cotidiana, seja qual for a área em que atuem.

“Pode ser um advogado de uma área do agronegócio, lá no interior, que saberá que aquele agrotóxico influenciará o oceano e pensará numa legislação melhor. Pode ser um médico, farmacêutico, alguém da área da saúde… empresários… jornalistas, artistas”, exemplifica Ronaldo. A ideia é que todos incorporem o “olhar azul” em suas práticas, decisões e produções.

E os desafios?

Como tudo que envolve políticas públicas e educação em um país continental como o Brasil, o processo traz grandes desafios. O principal deles é reconhecer a diversidade de realidades. “O Brasil é um país gigantesco. Nós temos muitas realidades socioeconômicas, culturais, educacionais”, lembra o biólogo.

A proposta, então, não é criar um único currículo rígido, mas construir diretrizes azuis dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que sejam adaptáveis às diferentes regiões. “O Brasil nunca vai ter um Currículo Azul. Ele vai ter, na Base Nacional Comum Curricular, uma diretriz azul”, afirma Ronaldo, destacando que o processo é contínuo, inclusivo e participativo.

Um futuro mais azul começa agora

Por fim, o Currículo Azul representa mais do que uma política educacional. Ele é uma semente de transformação cultural, ambiental e cidadã. Um movimento que começa com a escuta, passa pela sala de aula e chega ao futuro profissional e social de todo o país.

Como defende Ronaldo Christofoletti, “ao fazer isso, por meio da educação, estaremos formando uma geração de cidadãos e cidadãs, profissionais que vão atuar nas diferentes áreas do conhecimento daqui a 5, 10, 15, 20 anos”.

Essa construção não é só sobre o oceano — é sobre entender que fazemos parte de um sistema interconectado, em que nossas escolhas locais impactam o planeta como um todo.

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