O consumo de plástico na sociedade do cansaço
Rosana é uma mulher de 56 anos, mora com a filha adolescente e um cachorrinho. Acorda as 4h30 da manhã todos os dias, limpa a casa e deixa o almoço da filha pronto, alimenta o cachorrinho e vai andando até o ponto de ônibus que fica há 2 kms de casa. Ela chega em seu trabalho, numa escola pública, em 1 hora. As 17h Rosana chega em casa, prepara o jantar e vai dormir antes das 20h.
Para manter essa rotina, a família conta com alguns congelados, stakes de frango embalados separadamente, peito de frango cortado que ela guarda no congelador dentro das sacolinhas oferecidas pelo açougue. Os vegetais são comprados no mercado em frente ao trabalho, uma área rural periférica da grande São Paulo. Ali Rosana já compra a cenoura e a beterraba raladas, em uma bandejinha de isopor embrulhada em papel filme, na hora do jantar é só desembrulhar e temperar. Nos finais de semana, ela não quer saber de sair, faz a faxina e foca em descansar, assistindo algo no streaming junto com a filha.
Gabi mora na Capital de São Paulo com as duas filhas, marido e um gatinho. Sua rotina diária é intensa, começando as 5h30 da manhã, ela então acorda as crianças e as prepara para a escola. Ela toma o café da manhã com o esposo e sogros na padaria, partindo para uma viagem de 40 minutos até o trabalho. O almoço é um dos poucos momentos que Gabi se vê um pouco longe dos rótulos de funcionária, estudante e mãe e ela sempre tenta aproveitar essa hora com seus colegas. Além da pós graduação, vôlei e afazeres domésticos, Gabi tem um trabalho extra aos sábados.
Já dá pra ter noção que o tempo para maior auto cuidado é pouco e sua alimentação possui mais uma restrição, já que a filha mais velha tem alergias que tiram muitos itens da dieta. Ela conta que os industrializados são comuns no dia a dia, até mesmo pela certeza dos ingredientes, mas geralmente cozinha em casa mesmo. Pedindo delivery poucas vezes.
Ao ser perguntada como o tempo mudaria sua alimentação, ela destaca que com certeza haveria mais legumes e seu café da manhã e almoço seriam muito mais equilibrados.
Resolvi me inserir nesse artigo, sou da grande São Paulo, moro sozinha há mais de 5 anos. Costumava virar noites fotografando eventos e comia o lanche barato mais próximo. Por um tempo, cozinhei em casa, comprava legumes congelados em um pacote fechado. Hoje a rotina continua pesada, mas os horários de chegada em casa melhoraram muito. Saio as 9h da manhã para o escritório que fica cerca de 40 minutos de casa, almoço em um restaurante próximo. A minha rotina no escritório se baseia em escrever, estudar dados de engajamento, fazer parcerias, criar ações, designs e fazer cobertura de alguns eventos. Estudo espanhol, faço trabalhos extras de design, trato meu TDAH com remédios contínuos, ajudo minha irmã na lição de casa, estudo e visito minha família na grande São Paulo pelo menos 2 finais de semana por mês.
Sempre me pego recusando convites para cinema, algo que amo, por falta de tempo ou energia (ou os dois), e recorro sim a praticidade dos deliveries, congelados e ultra processados, embora hoje tenha mais noção do resultado disso e estou mudando muita coisa.
3 mulheres de histórias, configurações familiares e econômicas diferentes, porém existe uma coisa em comum, a falta de tempo.
Ainda que cada classe social tenha um objetivo diferente, baseado em necessidades básicas e bem estar, todas elas sofrem com a gestão de tempo e auto culpabilização.
“O dia do Elon Musk também tem 24 horas”
Frases como essa acima, nos faz pensar que estamos fazendo algo errado, como se aquele episódio da série da moda antes de dormir fosse um desperdício de tempo, quando na verdade, o relaxamento e entretenimento são indispensáveis para manter nossa saúde em dia.
Felipe Tartaglia Dias é psicólogo mestrado pela USP, e me contou em entrevista, como o estresse interfere no nosso sistema imunológico. Quando sob muito estresse, produzimos um hormônio chamado cortisol, um dos principais hormônios reguladores do nosso corpo, ele atua no metabolismo, sistema imunológico, regulação de sono e em várias regulações de estabilidade do organismo (alostase). Ele é um hormônio circulante e varia naturalmente ao longo do dia, aumentando de manhã e diminuindo à noite, também aumentando em situações de exposição ao estresse e falta de descanso.
Quando as situações de estresse são constantes, como por exemplo num trabalho exaustivo ou em momentos em que estamos pressionados com as obrigações da vida, o ciclo todo do cortisol e todos os hormônios que ele regula se desestabiliza e as consequências disso a longo prazo podem ser muitas. Fadiga, diabetes, hipertensão, irritabilidade, ganho de peso, insônia, perda de libido, entre outros. E se o cortisol fica muito baixo ainda outros problemas surgem.
“A prevenção para essas mudanças na circulação do cortisol são as mesmas que todos os médicos indicam sempre: descanso, exercícios, alimentação saudável e equilibrada, hidratação e fazer atividades prazerosas.”
Não consigo dizer a você leitor quais os meus níveis de cortisol, muito menos os da Rosana e da Gabi. O que posso afirmar, é que todas nós estamos expostas a situações de estresse diárias que afetam diretamente a rotina.
O cansaço, a praticidade e o lixo plástico
Como ressaltado pelo Felipe, o descanso e atividades prazerosas são essenciais para controlar o cortisol, porém para colocar isso na nossa rotina contemporânea precisamos de tempo. Tempo consumido no trabalho, trânsito, transporte, mercados e outros tantos afazeres diários.
Então chegamos à conclusão que precisamos ganhar tempo e a melhor solução é a praticidade. Por que perder tempo e o restinho de energia ralando a cenoura antes do jantar? Você já está morrendo de fome e sono, precisa economizar esses minutos para deitar mais cedo. Saiu aquela série nova, será que dá tempo? Acho que vou pedir um delivery, aí como enquanto assisto. E quais as opções para os alérgicos? Bom, se não tem outra, vamos nessa aqui mesmo!
A falta de tempo, opção, somados ao estresse que já aprendemos que pode causar fadiga, nos faz cada vez mais recorrer a produtos que promovem essa economia de tempo. Bandejinhas de isopor, plástico filme, talheres descartáveis, sacolas plásticas, canudinhos. Tudo isso nos faz acreditar que nos economiza tempo e energia, seja por não cozinhar, não lavar a louça, etc.
Deixou de ser incomum ver bandejas no mercado com bananas descascadas embrulhadas em plástico filme, a falta de tempo e energia virou produto. E em vez de pensar em como desacelerar, queremos praticidade para acelerarmos mais!
Com tudo isso, o meio ambiente fica em segundo plano, você até pode separar o lixo antes de jogar, mas é impossível pensar em parar de gerá-lo, ainda que existam opções que evitariam esses descartes.
O cuidado com a saúde mental como primeiro passo
Estar consciente do problema não nos dá as ferramentas necessárias para superá-los e por isso, muitas vezes precisamos de ajuda profissional.
O psicólogo ainda é estigmatizado, e ainda é tido como um profissional apenas para atender distúrbios mentais graves, mas não é bem assim. A função do psicólogo se adapta a sua necessidade, que nem sempre passa por um tratamento psiquiátrico.
Quando falamos de tantos problemas relacionados a falta de tempo, parece não existir solução, já que simplesmente deixar de trabalhar e viver de lazer, não é uma opção para ninguém. Mas com ajuda profissional é possível identificar sinais de vícios em trabalho (warkaholic), falta de auto estima e sentimento de culpa relacionado ao lazer.
Precisamos nos entender como seres humanos que têm necessidades biológicas, o tempo livre e até de ócio sendo uma delas. Uma vida com atividade física, boa alimentação e lazer pode economizar horas no hospital ou dias de licença médica. Com ajuda é possível entender e se organizar para isso!
E o plástico?
Um dos 5 Rs é a palavra “Repense”, que nos leva a analisar onde estamos, o que precisamos e como afetamos nosso entorno. Então faça isso, repense!
Ao cuidar de si mesmo, é possível notar que a tal praticidade, na verdade não prevê o seu conforto e nem se preocupa com a sua saúde, muito além disso, esses produtos não prezam pelo seu futuro, ou até mesmo o futuro da humanidade.
Ao ter uma alimentação equilibrada, a quantidade de embalagens diminui significativamente, assim como o auto cuidado, aumenta sua lente de preocupação com o todo.
Essa nova visão vem do consumo de boas leituras e aprendizados, que mostram como a sustentabilidade promove um ambiente melhor para todas as espécies no planeta. Isso pode começar com você, sua autoestima e percepção de tempo!
Então bora diminuir esse cortisol, zelar pela sua qualidade de vida e a do planeta.
Quem diria que cuidar de você pode salvar o mundo?
Artigo inspirado pelo livro: A Sociedade do Cansaço de Byung-Chul Han
Texto escrito por Yara Oliveira