Mulheres na linha de frente da proteção dos oceanos

Moby Dick, Odisseia, Vinte Mil Léguas Submarinas. Mitos de piratas e contos de marinheiros. Desde o início dos tempos, o mar sempre foi repleto de histórias sobre as aventuras dos homens. Ao atracar em dezenas de portos em dois anos de expedição, conhecendo diversas iniciativas que trabalham incansavelmente para proteger os oceanos, é nítido que agora é a hora das mulheres contarem suas histórias. 

Desde o sul do Brasil até o norte dos Estados Unidos, da costa atlântica até as águas cristalinas da Polinésia Francesa, as mulheres estão na linha de frente da luta pela preservação dos oceanos. É uma predominância extensa, seja na biologia marinha, na oceanografia, na gestão de unidades de conservação. Ainda há muito para explorar sobre isso. Há poemas a serem escritos e forças a serem unidas. Mas os gregos dizem que Afrodite emergiu do mar. Talvez comece por aí.  

Mulheres de diferentes origens, cada uma trazendo sua perspectiva e conhecimento para a mesa, não estão apenas quebrando barreiras, mas estão inspirando mudanças em níveis locais e globais. A dedicação, inovação e resiliência de cada uma estão moldando um futuro melhor para nossos oceanos e para o planeta como um todo.  

LIDERANÇA 

Um dos aspectos mais inspiradores do crescente envolvimento das mulheres na conservação dos oceanos é sua liderança e capacidade de advocar pela causa. Ao assumirem papéis proeminentes como diretoras de instituições de pesquisa marinha, chefes de ONGs de conservação e vozes influentes nos círculos de formulação de políticas, essas líderes não estão apenas conduzindo iniciativas de pesquisa, mas também pressionando por regulamentações mais rígidas para proteger a vida marinha e os ecossistemas. 

A Dra. Sylvia Earle, oceanógrafa que dedicou sua vida para defender a proteção dos ambientes marinhos, abriu caminho para que mais mulheres assumissem cargos de liderança no campo. Uma delas é Kellen Leite, a atual gestora do Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes, um oásis a cerca de 40 km do litoral de São Paulo, que abriga 1,3 mil espécies animais. Ela também percebe a predominância feminina em sua área de atuação, e que algumas das unidades de conservação mais icônicas do mundo hoje são geridas por mulheres como Parque Nacional de Cocos na Costa Rica, Rapa Nui, Noronha. 

“A conservação ambiental é uma área muito desafiadora, na maioria das vezes com resultados a muito longo prazo, acredito que as mulheres conseguem trabalhar melhor nessas condições, são mais resilientes e esperançosas, com uma noção de cuidado fundamental para a conservação.”  

 

Kellen Leite
Foto: divulgação/ICMBio 

 O Refúgio, sob sua gerência, recebeu este ano o prêmio internacional Blue Park, que reconhece a excelente gestão dessas áreas como refúgios para a vida marinha, integrando um sistema de proteção global para os ecossistemas oceânicos. 

 PESQUISA CIENTÍFICA E CONSERVAÇÃO 

 O entendimento dos ecossistemas naturais e seu monitoramento é essencial para garantir a conservação marinha. Por isso o trabalho de pesquisa científica é tão importante e requer uma dedicação constante, de longo prazo e de muita mão na massa. No Tahiti, a Voz dos Oceanos conheceu Cécile Gaspar, que em 2004 fundou a fundação Te Mana o Te Moana (o espírito do oceano, em tahitiano). Desde então, é referência na pesquisa e reabilitação de tartarugas marinhas na Polinésia e já acolheu, tratou e devolveu a natureza mais de 300 tartarugas vítimas de tiros de arpões, hélices de barcos e ingestão de plástico. 

 Outra mulher que dedica sua vida ao oceano é Bernadete Barbosa, conhecida como a Guardiã de Abrolhos. Depois de 3 décadas de trabalho, ela recebeu o International Ranger Awards, o Prêmio Internacional de Guardas-Parques, concedido pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em 2023, um ano depois que o veleiro Kat passou pelo arquipélago. Ela acredita na união entre a equipe do parque com pescadores, membros da comunidade, crianças, pesquisadores e visitantes para entender, comunicar e respeitar os valores de Abrolhos. Seu profundo conhecimento da área permitiu a detecção precoce de novas ameaças, como o branqueamento de corais. 

Bernardete Barbosa
Foto: Daniel Venuturini (ICMBio) 

INOVAÇÃO 

Diante de imensos desafios, as mulheres estão liderando projetos de inovação e tecnologia para desenvolver soluções sustentáveis. Ao chegar no Caribe Mexicano, a Voz dos Oceanos conheceu María del Carmen García Rivas, diretora do Parque Nacional Arrecife de Puerto Morelos, que lidera iniciativas com tecnologia de ponta para restaurar recifes de corais danificados. Na Polinésia Francesa, o veleiro Kat encontrou uma organização com objetivos semelhantes, o Coral Gardeners, também com uma mulher liderando a frente científica. Hannah Stewart coordena o laboratório de inovação, onde é desenvolvido novas ferramentas e técnicas para aprofundar o conhecimento sobre corais e melhorar a metodologia de monitoramento e restauração. Esses trabalhos exemplificam como as mulheres estão usando ideias inovadoras para solucionar desafios emergentes em nosso planeta. 

Maria Del Carmen García Rivas
Foto: Manta Raya Divers 

EMPODERAMENTO DE COMUNIDADES LOCAIS 

Os oceanos estão profundamente interligados com as vidas e culturas das comunidades costeiras em todo o mundo. Quando o veleiro Kat passou pela Ilha Grande, no Rio de Janeiro, conheceu uma iniciativa comandada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho. Ela está trabalhando para retirar redes de pesca jogadas ao mar e transformá-las em produtos, capacitando assim as comunidades locais a se tornarem administradoras de seus próprios recursos marinhos e a dar um valor a proteção do oceano e não sua degradação.  

O FUTURO DO OCEANO 

Esses são somente alguns exemplos dentro do mar de mulheres que lideram e participam de iniciativas que estão transformando suas comunidades e restaurando o ambiente natural. Ao celebrarmos suas realizações, também reconhecemos a necessidade de apoiar e ampliar seus esforços. Mulheres estão encontrando soluções para o planeta, mas ainda não recebem a plataforma que merecem. De acordo com um estudo conduzido por diversas cientistas de todo o mundo, as mulheres cientistas estão sub-representadas nas ciências marinhas e na conservação. Também constata que esse viés pode comprometer a capacidade global de resolver efetivamente os problemas de conservação. Outro número publicado pela UNESCO assusta: somente 29% dos palestrantes em conferências internacionais de ciência oceânica são mulheres. Para alcançarmos o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 até 2030 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas, teremos um caminho longo pela frente. 

Entretanto, essa é uma onda impossível de frear. Uma das contribuições mais impactantes dessas mulheres é a capacidade incansável de inspirar e educar a próxima geração. Ao se tornarem uma referência, elas estão moldando uma nova era de defensores do oceano e líderes do futuro. 

Essa onda também chegou ao veleiro Kat. Pela primeira vez desde o início das expedições da Família Schurmann, a tripulação que cruzou todo o oceano pacífico foi maioritariamente feminina.  

O mar um dia foi dos homens. Agora, as histórias serão sobre elas. 

Texto escrito por Katharina Grisotti

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